”A tempera de uma alma é dimensionada na razão direta do teor de poesia que ela encerra” (Horácio Quiroga)

terça-feira, 29 de março de 2016

Comportamento

Nada pergunte,
nada responda,
nada comente,
nada
observe,
nada fomente,
nada sugira ,
nada elogie,
nada critique
              ela logo, logo
              gritará colérica:

Basta!

sábado, 26 de março de 2016

Momento

Já tu irás perceber
              que teu sonho é real,
que o tênue filamento
              separando-o da realidade,
está roto, fragmentando-se;
já pouco tempo resistirá

Chegado o momento dessa ruptura,
tu sentirás um novo vento
              acariciar-te de leve a alma;
 uma intensa e alva alegria
              tornará luz todo o teu ser
              e então estarás plena e feliz.



quarta-feira, 23 de março de 2016

Prenúncio

É fim de verão
              e nimbus colossais se formam ao sul;
uma cinzenta massa desliza constante,
 já nos encobrindo, densa e soberana.

O sol, deste início de tarde
              é impotente para atravessar sua luz;
assim retraído, conforma-se o astro-rei,
deixando-nos abafados, em breu.

A natureza toda sofreia-se
              e os corações se oprimem, refreados;
um pasmo prenhe de languidez indefinida,
vai nos deixando em um êxtase profundo.

Por fim nos afoga uma bátega
              de robustas gotas, pesadas e frescas;
a chuva tão desejada, tão esperada,
que encherá de vida esses nossos campos.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Volte

Volte;
se não a saudade me consome!
Volte breve,
volte já,
volte nas asas de um íbis
              ou no brilho de um corisco,
mas volte feliz,
com um sorriso renovado
             acendendo seu olhar.

terça-feira, 15 de março de 2016

Constatação

A vida do poeta é o sonho,
a realidade é que lhe é estranha!
Nos sonhos ele ama, concebe,
trabalha, participa e convive;
na realidade ele se desencanta,
consome-se e por vezes morre.

domingo, 13 de março de 2016

Chegança

Decifre suas emoções,
tente adivinhar que já chego;
ouça meus passos em suas artérias
            pisando leve para não te ferver o sangue.

sábado, 12 de março de 2016

Londres - Favela / Linha 001 (acróstico)

Dia desses
Elenice cantou:
Lady Madonna...
Yes, me fodi!
Recording, play,
Amanheceu cinza.

Domingo já passou,
... Elenice não morreu.
Lugar comum na favela.
Yesterday...
Ringo ou George?
Amanheceu cinza.

Deu vaca com zero zero,
Elenice não ganhou.
Levou a pior!
Yara, mãe d'água doce...
Replace, replace!
Amanheceu cinza.

(13/11/2001 - para o meu camarada Paulo de Lyra - Ipanema/RJ)

quarta-feira, 9 de março de 2016

Se considerássemos profundamente
              todas as nossas possibilidades,
perceberíamos muito claramente
              que o aquilatado como  impossível
              floresce na tibieza do caráter.

terça-feira, 8 de março de 2016

Átimo

Lembras quando primeiro te olhei?
Teus olhos faiscavam na madrugada
              e os meus te buscavam, encantados.

Daí, aos abraços, aos beijos, às carícias,
foi o tempo de uma nuvem partir
              e a lua nos envolver na magia da noite.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Panapanã

Minha pele rude sente o roçar
              das tuas minúsculas garras,
minha audição percebe
              o frágil farfalhar das tuas asas
              e meus olhos se extasiam
              diante do arco-íris que trazes em ti.

sábado, 5 de março de 2016

Humildade

Saibam que eu sou aquele
              minúsculo e derradeiro
              fragmento de um brioche,
que uma minúscula formiga
              retardatária e calma,
carrega para o seu formigueiro
              e que substanciará a ceia
              da sua operosa comunidade.

Ah, que doce maravilha,
que tão sublime destino;
como me sinto humildemente útil...

sexta-feira, 4 de março de 2016

Cadê Dedé??

Cadê Dedé, cadê Dedé?
Tá cuidando da lombriga
              ou do bicho de pé.

Cadê Dedé, cadê Dedé?
Tá metido na fumaça
              ou bebendo capilé.

Cadê Dedé, cadê Dedé?
Tá roçando um matagal
              ou cercando um garnisé.

Cadê Dedé, cadê Dedé?
Tá na casa do Simão
              ou na quitanda do Zé.

Cadê Dedé, cadê Dedé?
Tá no mato catando lenha
              ou viajou pra Jequié.

Cadê Dedé, cadê Dedé?
Tá ralhando com as crianças
              ou brigando com a mulher.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Reduzível

Sentes minhas mãos quanto te tocam?
Percebes a aspereza dos meus dedos?
São mãos maltratadas pelo ofício duro
             com dedos brutos ofendendo tua pele.

Ainda assim tu me queres, me desejas?
Ainda assim tu me convidas ao teu leito?
Teu desejo, agora intenso, pode apagar-se
             e tua cama, tão alva, substituir-me, ligeira.