”A tempera de uma alma é dimensionada na razão direta do teor de poesia que ela encerra” (Horácio Quiroga)

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Zombaria

Sempre que eu passava sonolento
              pela calçada daquela rua sombrosa,
um burro magro, amarrado e triste
              erguia a cabeça, me olhava
              e abria um dúbio sorriso.

Na ida e na volta, sempre o sorriso;
até que desconfiei daquele burro,
velhaco e zombeteiro
              me olhando com os dentes a mostra.
Sorria ele para mim, ou ria-se de mim?

Até que certa manhã de chuva fina,
me dei conta que o burro pastejava
              no exato caminho que eu fazia
              nos domingos e dias santificados,
rumo à pequena igreja do bairro.

Me veio, então, a certeza lancinante:
o riso era de escárnio, pura zombaria
              daquele esquelético asno ardilão;
o burro ria, solerte, da minha agonia!
Até que um dia o bicho morreu (talvez de rir).

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